Texto para análise e reflexão

13/02/2017


Viviane Carrijo


O flagelo do vestibular 

(Luís Fernando Veríssimo)

 

     Não tenho curso superior. O que eu sei foi a vida que me ensinou, e como eu não prestava muita atenção e faltava muito, aprendi pouco. Sei o essencial, que é amarrar os sapatos, algumas tabuadas e como distinguir um bom beaujolais pelo rótulo. E tenho um certo jeito — como comprova este exemplo — para usar frases entre travessões, o que me garante o sustento. No caso de alguma dúvida maior, recorro ao bom senso. Que sempre me responde da mesma maneira: “Olha na enciclopédia, pô!”

     Este naco de autobiografia é apenas para dizer que nunca tive que passar pelo martírio de um vestibular. É uma experiência que jamais vou ter, como a dor do parto. Mas isto não impede que todos os anos, por esta época, eu sofra com o padecimento de amigos que se submetem a terrível prova, ou até de estranhos que vejo pelos jornais chegando um minuto atrasados, tendo insolações e tonturas, roendo metade do lápis durante o exame e no fim olhando para o infinito com aquele ar de sobrevivente da Marcha da Morte de Batan.

     Enfim, os flagelados do unificado. Só lhes posso oferecer a minha simpatia. Como ofereci a uma conhecida nossa que este ano esteve no inferno.

— Calma, calma. Você pode parar de roer as unhas. O pior já passou.

— Não consigo. Vou levar duas semanas para me acalmar.

– Bom, então roa as suas próprias unhas. Essas são as minhas…

– Ah, desculpe. Foi terrível. A incerteza, as noites sem sono. Eu estava de um jeito que calmante me excitava. E quando conseguia dormir, sonhava com múltiplas escolhas: a) fracasso, b) vexame, c) desilusão. E acordava gritando: Nenhuma destas! Nenhuma destas! Foi horrível.

– Só não compreendo por que você inventou de fazer vestibular a esta altura da vida…

– Mas quem é que fez vestibular? Foi meu filho! E o cretino está na praia enquanto eu fico aqui, à beira do colapso.

     Mãe de vestibulando. Os casos mais dolorosos. O inconsciente do filho às vezes nem tá, diz pra coroa que cravou coluna do meio em tudo e está matematicamente garantido. E ela ali, desdobrando fila por fila o gabarito. Não haveria um jeito mais humano de fazer a seleção para as universidades? Por exemplo, largar todos os candidatos no ponto mais remoto da floresta amazônica e os que voltassem à civilização estariam automaticamente classificados?

     Afinal, o Brasil precisa de desbravadores. E as mães dos reprovados, quando indagadas sobre a sorte dos seus filhos, poderiam enxugar uma lágrima e dizer com altivez:

– Ele foi um dos que não voltaram…

Em vez de:

– É um burro!

     Os candidatos à Engenharia no Rio de Janeiro poderiam ser postos a trabalhar no metrô dia e noite; quem pedisse água seria desclassificado. O Estado acabaria com poucos engenheiros novos — aliás, uma segurança para a população —, mas as obras do metrô progrediriam como nunca. Na direção errada, mas que diabo.

     O certo é que do jeito que está não pode continuar. E ainda por cima há os cursinhos pré-vestibulares. Em São Paulo os cursinhos estão usando helicópteros na guerra pela preferência dos vestibulandos que terão que repetir tudo no ano que vem. Daí para o napalm, o bombardeio estratégico, o desembarque anfíbio e, pior, uma visita do Kissinger para negociar a paz, é um pulo. Em São Paulo há cursinhos tão grandes que o professor, para se comunicar com as filas de trás, tem que usar o correio. Se todos os alunos de cursinhos no centro de São Paulo saíssem para a rua ao mesmo tempo, ia ter gente caindo no mar em Santos. O vestibular virou indústria. E os robôs que saem das usinas pré-vestibulares só têm dois movimentos: marcar cruzinha e rezar.

O filho da nossa nervosa amiga chegou em casa meio pessimista com uma das suas provas.

— Sei não. Acho que entrei pelo cano. O Inglês não estava mole.

– Mas meu filho, hoje não era inglês! Era física e matemática!

– Oba! Então acho que fui bem.

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